18.3.09

superar-se

passei uns dias na madeira. como estive a recolher dados, não tive muito tempo para passear. no entanto, antes de ir, a minha tia ligou-me a perguntar se eu queria fazer a travessia da ilha de porto santo. ao que eu respondi logo "é claro que quero". como a maioria dos continentais, quando se fala em porto santo, pensa-se em 9km de praia, ilha pequena e tal. uma travessia não pode ser nada de outro mundo. ou pode?

lá nos levantámos bem de madrugada para acabar de fazer a mochila e apanhar o lobo marinho para a ilha dourada. as ondas do mar estavam bem bravas e o barco baloiçou e o meu estômago também baloiçou o meu pequeno-almoço borda fora. nada melhor para começar um fim de semana a caminhar.
os nossos companheiros e organizadores do passeio faziam parte de um grupo de aventura, e tinham restringido as inscrições a caminheiros frequentes. eu disse que era caminheira, só não disse de que tipo.

começámos a subir o monte logo acima do porto, em direcção aos picos que se avistam da praia. a primeira subida e eu, ainda enjoada do barco, já estava com os bofes de fora. pensava eu, subimos um monte, paramos, comemos e arranjamos um sítio para pernoitar.

subimos até aos moinhos, onde vimos as primeiras panorâmicas sobre a costa sul da ilha, a das praias.

depois subimos pela encosta de uma pedreira e começámos a escalar o monte que une os sopés do pico do castelo e do pico facho. é aqui que eu começo a duvidar se serei capaz de chegar até domingo com este ritmo. e a sentir-me um bocadinho culpada por ter contado uma mentirinha branca...

(fotografia da esquerda: sopé do pico do castelo à esquerda, sopé do pico facho à direita; fotografia da direita: a subir a encosta que une os dois picos)

e continuámos a subir em direcção ao pico do castelo, cuja encosta é permanentemente atacada por ventos fortes. vejam só como as árvores estão inclinadas!

mais uma panorâmica sobre o lado oeste da ilha. pode-se ver a pista do aeroporto, que atravessa a ilha quase de um lado a outro!

e o lado este, onde se pode ver a encosta que tínhamos acabado de subir (seguimos sempre pelo alto da formação rochosa).

lá no alto, ainda ganhámos mais um compincha. que tinha a particularidade de ter acabado de correr a meia maratona. caminhada como esta era brincadeirinha, e eu sempre com os bofes de fora. especialmente nas subidas. e por isso é que tiveram pena de mim e me emprestaram uns bastões. sem eles, não sei o que teria sido de mim.

o meu estágio de bastões começou na subida do pico do facho, o mais alto pico do porto santo.

para chegar ao topo, tivemos que largar as mochilas e escalar mais uma formação rochosa. as minhas botas estavam escorregadias e eu já estava bem borradinha. fiquei muito quietinha lá no alto, mas só dava vontade disso. de ficar quieta e calada a absorver o ar e a paisagem da ilha, aos nossos pés. normalmente, o porto santo é seco e árido, mas no fim do inverno todas as encostas cobrem-se de vegetação verdejante. quem lá passa para o veraneio, não imagina que a ilha é assim. depois de darmos umas trincas numa sandes, seguimos para o próximo pico. pico da gandaia, segundo percebi.

(é preciso dizer que tenho parentesco com a tolinha da foto?)

e depois, ó lá descemos a encosta do pico da gandaia até ao nível do mar. não me chame eu joui se não passei a descida a tagarelar para compensar a minha mudez nas subidas. escusado será dizer que quando disseram que a última etapa do dia era subir o pico branco pela formação rochosa e pernoitar lá em cima, pouco mais falei. nem fotos há. foi seguramente das coisas mais difíceis que subi/escalei, tão íngreme que um desiquilíbrio seria fatal, tão difícil que se não fosse o anoitecer, teria ficado paralisada a meio da encosta.

- falta muito? já estamos a meio, não?

- hmmm. 30%, quando muito!

- SÓ PODES ESTAR A BRINCAR!

mas no dia a seguir, pude ficar incrédula e contente quando vi o que tínhamos subido na noite anterior (a etapa final era aquela encosta rochosa que vai do centro e desce até ao canto inferior direito da foto).

dormimos mesmo lá no alto. numa parte do trilho que era um bocado mais larga, montámos as tendas, abençoados por umas santinhas. e dormimos logo a seguir ao pôr do sol. só quando acordámos é que pudemos ver o precipício que nos fez companhia durante a noite (e esta é a vista da porta da tenda).

de manhã, subimos ao ponto mais alto do pico branco, para espreitar a paisagem, que era de cortar a respiração.


e voltámos a descer tudo aquilo que tínhamos subido, mas por um trilho. em direcção a oeste, pela costa norte da ilha.


o objectivo do dia era contornar a costa norte, em direcção ao extremo oeste, e voltar pela praia (costa sul) até ao barco, que nos esperava na ponta leste. ou seja, contornar a ilha quase na totalidade. de repente, a paisagem mudou drasticamente.

e pudemos ver a encosta onde está assente o pico da gandaia na sua totalidade. na sua grandiosidade. e eu estive lá em cima!! (e o pico do facho lá no fundo)

e depois, sempre aquelas paisagens maravilhosas. (estou a ser chata? é que era tudo tão bonito...)
contornámos a costa norte, com as suas falésias.

até chegarmos ao campo de golfe. altura em que as botas começam a pesar e o passo a arrastar. doíam-me os pés e as horas a caminhar começavam a fazer mossa. mas ali, decidimos subir o monte da direita, de onde poderíamos avistar a ponta do extremo oeste da ilha. o monte da esquerda é o pico da ana ferreira, o único "importante" que não subimos.

e lá fomos, certinhos, certinhos, inspirar, passo, expirar, passo, que a respiração é meio caminho andado para conseguir. e no topo, fomos mais uma vez recompensados.

ao descer, depois de um fim de semana a escalar as formações rochosas mais escarpadas, mais perigosas, mais escorregadias, sem cair, eis que a joui faz uma à joui e tropeça nos seus próprios pés, num caminho com mais de 3m de largura. com todo o espaço para ela. a queda mais espalhafatosa de todos os tempos. e como para além dos pés, tinha dois bastões (que pertenciam a uma alma caridosa que tinha tido pena dela), é óbvio que caiu em cima de um e o entortou todo. momento de glória. e descemos à praia. com os pés para além de doridos, que alívio tirar as botas e caminhar na areia. e molhar os pés na babuchinha, mesmo estando frio, mesmo estando vento, mesmo estando chuva.

para trás, ficou um fim de semana cheio de obstáculos ultrapassados, cheio de provações. se no sábado achava que não ia aguentar, no domingo apercebi-me de que era capaz de muito mais do que pensava e que só saindo da zona de comodismo e puxando até ao limite é que conseguimos perceber que aquele esticãozinho extra não é tão difícil assim.

mas foi difícil, isso foi. e para a contabilidade final, 27 000 passos no sábado, e 33 000 no domingo.

e não me venham com tretas, que eu agora trato o porto santo por tu.

[sim, eu sei que me alonguei, mas também serve para eu me ir relembrando, refrescando. isto é algo que eu nunca mais quero esquecer]

3 comentários:

Joana disse...

bem, uma pessoa chega ao fim do post a abafar, por isso acho que transmitiste bem a mensagem!

que bom, grande motivo de orgulho :D

Anónimo disse...

até me deixaste sem fôlego!

joui disse...

foi duro, mas também chegavas ao fim se fosses. provavelmente melhor que eu!